Como acontece em muitos outros países, autoridades financeiras da África do Sul não têm jurisdição sobre esse tipo de golpe, uma vez que criptomoedas não são legalmente reconhecidas como produtos financeiros.
Criptografia em torno das negociações de bitcoin torna quase impossível rastrear o caminho do dinheiro — Foto: Getty Images via BBC
Contas de clientes vazias, até US$ 3,6 bilhões (quase R$ 18 bilhões) desaparecidos e dois jovens na mira.
Ameer e Raees Cajee, de 18 e 20 anos respectivamente, começaram a operar em 2019 a plataforma de criptomoedas Africrypt, fundada por ambos na África do Sul.
Segundo denúncia apresentada à polícia por advogados de um grupo de investidores, centenas de usuários deixaram de ter acesso a suas contas nas mesmas semanas em que o bitcoin atingiu sua máxima histórica, em abril de 2021.
A moeda virtual mais famosa do mundo chegou a valer US$ 63.226 por unidade.
Naquele mês, o diretor de operações da Africrypt, Ameer Cajee, o mais velho dos irmãos, informou aos clientes que a empresa havia sido vítima de um ciberataque e que por isso a plataforma havia suspendido as operações.
“Nosso sistema, as contas dos clientes, suas carteiras e nossos registros foram comprometidos”, afirmou em um email.
69 mil bitcoins desaparecidos?
No mesmo email, Ameer Cajee aconselhava os investidores a não buscarem as “vias legais”, já que isso “só atrasaria o processo de recuperação dos fundos faltantes”.
Depois do envio dessa mensagem, em 13 de abril, os irmãos desapareceram por alguns dias.
O advogado John Oosthuizen, que representa a dupla, afirmou à BBC que os fundadores da Africrypt negam categoricamente qualquer participação no “furto” ou que tenham fugido com os recursos. “Não há qualquer base para essa acusação.” Ambos “sustentam que a plataforma foi hackeada e que foram vítimas de um furto”.
Oosthuizen afirma ainda que os dois irmãos não procuraram a polícia depois do sumiço das criptomoedas e que, por terem recebido ameaças de morte, a primeira reação deles foi garantir a segurança de seus familiares e preparar um dossiê para provar o ocorrido às autoridades (algo que não foi entregue até hoje à polícia).
O advogado dos irmãos se recusou a confirmar quantos bitcoins sumiram. Mas a denúncia de clientes enviada à unidade de elite da polícia da África do Sul, conhecida como Hawks (Falcões, em tradução livre), aponta que milhares de bitcoin “desapareceram completamente”.
O sumiço de quase 69 mil bitcoins, que valiam no pico quase US$ 4 bilhões, representaria a maior perda em dólares ligada a criptomoedas.
Cada bitcoin chegou a valer mais de R$ 360 mil no pico em abril de 2021 — Foto: Getty Images via BBC
Seguindo o rastro
A investigação encomendada pelo escritório de advocacia de clientes afetados revelou que os fundos da plataforma foram transferidos para contas e carteiras na própria África do Sul.
Mas depois o rastro das criptomoedas se perde porque “diversos nós da dark web e ferramentas de criptografia foram usados na operação”, afirmam os advogados.
Isso se refere a tecnologias que podem tornar quase impossível o rastreamento de bitcoins. Para o escritório de advocacia, a análise desse processo refuta a possibilidade de ter sido um ataque hacker.
Além disso, tudo parece indicar que “os funcionários da Africrypt perderam o acesso às plataformas de suporte ao cliente sete dias antes do suposto ataque hacker”, dizem os advogados.
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Esquema Ponzi?
A Autoridade do Setor Financeiro da África do Sul (FSCA) disse em nota à imprensa no fim de junho que os ativos criptografados não são regulamentados na África do Sul “e, consequentemente, o FSCA não está em posição de tomar qualquer ação regulamentar.”
E é que, como acontece em muitos outros países, as autoridades financeiras da África do Sul não têm jurisdição sobre esse tipo de golpe, uma vez que as criptomoedas não são legalmente reconhecidas como produtos financeiros.
O comunicado de imprensa disse que Africrypt “estava oferecendo retornos excepcionalmente altos e irrealistas semelhantes aos oferecidos por esquemas de investimento ilegal comumente conhecidos como Ponzi (pirâmide financeira).” Em linhas gerais, isso consiste em usar dinheiro de novos investidores para pagar dividendos aos mais antigos.
A BBC perguntou à polícia sul-africana se havia uma investigação em curso, mas a instituição não havia respondido até o momento da publicação desta reportagem.
Segundo grande fiasco na África do Sul
Em seu site agora fora do ar, Africrypt se descrevia como “uma empresa de investimento focada exclusivamente em criptomoeda e tecnologia de blockchain.”
A empresa dizia aos investidores que, em apenas alguns anos, passou de uma plataforma gerenciada por uma única pessoa trabalhando em seu quarto para “uma das maiores e mais bem-sucedidas empresas de comércio e inteligência artificial da África”.
A agência de notícias financeiras Bloomberg lembrou que o “fiasco” com Africrypt ocorreu pouco tempo depois do colapso, no ano passado, de outra plataforma de bitcoin sul-africana, aMirror Trading International.
Até 23 mil moedas digitais foram então comprometidas, a preços em torno de US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões), de acordo com um relatório da Chainalysis.
As perdas dos investidores da Africrypt podem ser até três vezes maiores.
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