
Blog explica o espírito de revanche das Forças Armadas após o fim da ditadura militar.
Assim que a ditadura caiu de podre e Trancredo Neves anunciou a Nova República, os militares brasileiros passaram a acalentar a ideia de que haveria um espírito revanchista contra as Forças Armadas na sociedade brasileira. A vingança teria, na visão deles, dois motores de arranque: a esquerda e a mídia.
Cometeram um erro imperdoável para quem é treinado com o objetivo de identificar e derrotar o inimigo. O grande revanchista não é um político esquerdista, muito menos jornalista. Ao contrário. Hoje, quem mais busca a desforra contra eles é um ex-militar frustrado que gosta de assinar como “comandante supremo das Forças Armadas”. Chama-se Jair Bolsonaro. Os militares acertaram que seu grande problema na redemocratização seria o revanchismo. Mas erraram feio ao diagnosticar de onde partiriam os ataques.
Vamos voltar aos militares da era pré-Bolsonaro presidente. No livro “Militares e Política na Nova República”, os professores Maria Celina d’Araujo e Celso Castro ouviram os 14 principais chefes militares da redemocratização. “É importante chamar a atenção, desde já, para uma palavra que é absolutamente recorrente nos depoimentos reunidos neste livro: revanchismo”, alertam os autores, que dedicaram um capítulo exclusivo ao tema.
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O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e dos comandantes das Forças Armadas na entrada do Palácio do Planalto — Foto: GloboNews/Reprodução
Aspas para o almirante Henrique Sabóia, primeiro ministro da Marinha pós-ditadura. “No governo Sarney, principalmente no começo, o revanchismo dos políticos contra os militares era um negócio inacreditável”. E completa: “mais difícil era o pessoal de esquerda, com um revanchismo louco, sempre”.
Na visão dos 14 chefes militares da redemocratização, a esquerda que fora derrotada na luta armada agora atuava no Parlamento e nas redações jornalísticas em busca de desforra, recusando-se a aceitar a “anistia para os dois lados”. O almirante Ivan Serpa, ministro da Marinha no governo Itamar, explica: “Os anistiados do lado de lá não anistiaram os anistiados do lado de cá. E as Forças Armadas estão sofrendo a consequência disso até hoje”.

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Nem a constituição cidadã de 1988 escapou desta visão do revanchismo contra os militares. “Na conferência dos exércitos americanos realizada em Mar del Plata, em 1987, o general Tinoco, então chefe interino do Estado Maior do Exército, apresentou um documento que ressaltava o problema da subversão no país, cujo palco privilegiado seria, então, a Assembleia Nacional Constituinte, onde as esquerdas buscavam — e conseguiram, segundo Tinoco — aumentar sua influência”, revelam Maria Celina d’Araujo e Celso Castro.
Ah, sim! A subversão não tinha apenas nos partidos de esquerda a sua trincheira. “O papel de grande vilão do revanchismo antimilitar está reservado, sem dúvida, para a mídia”, escrevem os autores. O brigadeiro Sócrates Monteiro, ministro da Aeronáutica do governo Collor, explica: “Nada do que é positivo é exaltado na nossa imprensa. A imprensa é absolutamente contrária. A nossa imprensa é radicalmente contra as Forças Armadas. Até hoje”.
O brigadeiro Mauro Gandra, ministro da Aeronáutica do governo Fernando Henrique Cardoso, tem uma explicação curiosa para apontar a mídia como a grande revanchista. “Ele acha que o tratamento dado a muitos jovens de classe média envolvidos no movimento estudantil funcionou como um processo irradiador. Hoje, muitos desses jovens estariam atuando na mídia, como formadores de opinião”, revela o livro.
Agora, pulemos para o grande revanchista. O oficial considerado indigno para a carreira militar e que “foi saído” pela porta dos fundos. O capitão que passou anos proibido de pisar em quartéis e não pode matricular seus filhos em colégios militares. O capitão que se sentiu humilhado e injustiçado pelos oficiais mais graduados. Algumas perguntas:
- Quem demitiu o general Santos Cruz após ser ele chamado publicamente de bosta engomada? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem humilhou um general da ativa, obrigando-o a voltar atrás de uma decisão acertada (a compra de vacinas) e ainda o fez passar pelo constrangimento de gravar um vídeo com a doce mensagem “um manda, outro obedece”? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem fez um general passar pelo vexame de confessar que se vacinou escondido para não tomar bronca do chefe? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem passou a mão na cabeça do ministro Salles, após ele chamar o general Ramos de “Maria Fofoca”? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem botou o vice-presidente, o general Mourão, de castigo e o proibiu de participar de reuniões? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem tratou o general Mourão como um cunhado que não pode ser demitido? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem fez militares embarcarem na onda da cloroquina e botou no currículo do Laboratório do Exército o aumento da produção da droga charlatã no auge da pandemia? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem associou a imagem de militares a negociações picaretas de compras de vacinas? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- Quem demitiu três comandantes militares para mostrar poder? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- E, por fim, quem expôs as Forças Armadas ao ridículo de promover uma micareta anti-democrática para que o presidente pudesse brincar de chefe supremo dos militares? Foi um político de esquerda ou um jornalista? Não. Foi Bolsonaro, o revanchista.
- A pergunta que falta: então, os militares são as grandes vítimas de Bolsonaro? Não. São cúmplices. Por cargos e poder. Pelo visto, o revanchismo só não é tolerado quando é de graça.
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