Mais de 2 mil indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019. Em cinco estados, taxa de mortes violentas de indígenas é maior do que a taxa do estado.
Indígenas protestam em Brasília contra o marco temporal — Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Mais de 2 mil indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019 no Brasil, segundo dados inéditos divulgados nesta terça-feira (31) pelo Atlas da Violência 2021. Nessa década, a taxa de mortes violentas de indígenas aumentou 21,6%, saindo de 15 por 100 mil habitantes, em 2009, para 18,3, em 2019, movimento oposto ao que ocorreu com a taxa de assassinatos em geral no país, que foi de 27,2 para 21,7 por 100 mil habitantes.
É a primeira vez que o Atlas da Violência, elaborado a partir de uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Econômica Aplicada (Ipea) e o o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), e tem como base os números apresentados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, divulga dados sobre violência letal contra indígenas.
Violência letal contra indígenas — Foto: Arte/G1
Em cinco estados, a taxa de homicídios de indígenas supera a de assassinatos da população como um todo em 2019 (veja no gráfico abaixo):
Taxa de violência letal de indígenas em 5 estados — Foto: Arte/G1
A taxa também é maior em municípios com terras indígenas, 20,4, do que em cidades sem terras indígenas, com 7,7.
“Os dados mostram um agravamento da violência letal contra povos indígenas e, principalmente, em terras indígenas. Os municípios que têm terras indígenas são aqueles que apresentaram um crescimento mais acentuado na última década, o que é fruto, em alguma medida, de invasões, do garimpo ilegal, de uma série de ilícitos que vêm ocorrendo, de exploração ilegal de terras que são territórios tradicionais”, diz Samira Buena, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenadora do Atlas.
Como explicam os especialistas do Ipea e do Fórum, a dificuldade e a falta de interesse na fiscalização e proteção dos territórios indígenas abrem possibilidades de invasões para produção agropecuária e exploração ilegal de madeiras e minerais, entre outras atividades, o que contribui para o aumento da violência.
“Em contexto de baixos investimentos públicos destinados à proteção territorial, social e ambiental, poucos são os territórios que se encontram juridicamente resguardados exclusivamente aos povos indígenas ou mesmo que apresentam infraestrutura e serviços públicos adequados à proteção das pessoas e da sobrevivência coletiva”, diz o estudo.
O G1 e a GloboNews procuraram o governo federal e aguarda posicionamento.
O relatório de 2020 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), referente aos dados de 2019, destaca o registro de 256 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” em pelo menos 151 terras indígenas, de 143 povos, em 23 estados, em que se constata um aumento de 134,9% dos casos registrados em 2018.
Em 2019, foram registrados 113 assassinatos e 20 homicídios culposos que, somados a outros casos de violências praticadas contra a pessoa indígena, totalizavam 277 casos em 2019 – o dobro do registrado em 2018.
O número de assassinatos em 2019 pode ser ainda maior porque, como o Atlas explica, houve 35% de aumento de mortes violentas por causa indeterminada naquele ano.
Reconhecida como um instrumento de controle ou de extermínio, como diz o Atlas, a violência contra os povos indígenas permanece caracterizando-os como vítimas perenes, a tal ponto de se afirmar que “os povos originários ainda estão presentes neste mundo não é porque foram excluídos, mas porque escaparam”, como escreveu o indígena Ailton Krenak.
As demarcações estão ainda mais ameaçadas com a discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) do chamado “marco temporal”. Por esse critério, indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
A discussão põe ruralistas e povos originários em lados opostos. O governo Bolsonaro é favorável à tese. A decisão pode definir o rumo de mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão em aberto no país. Indígenas de todo o Brasil acamparam na Esplanada dos Ministérios em protesto contra o marco.
“Mais do que nunca isso é necessário. No momento em que a Suprema Corte está fazendo um debate tão importante sobre os povos tradicionais desse país, e que a gente tem um cancelamento do Censo [do IBGE], que é a única pesquisa que é capaz de verificar a quantidade de indígenas no Brasil, isso se torna ainda mais importante”, diz Samira.
Para os especialistas, a proteção física e cultural dos povos indígenas raramente são consideradas nas estratégias públicas de planejamento, implementação de ações e na configuração de metas governamentais sobre a questão.
“No ano passado, nós tínhamos feito um Atlas da violência no campo no Brasil. E, naquele relatório, já escrevíamos que estava em curso um aumento da violência do campo no Brasil, sobretudo em territórios indígenas, na Amazônia Legal. A gente via um ambiente político-institucional muito conturbado, com muita probabilidade de gerar esse problema da violência no campo. As organizações e os institutos que deveriam fazer a fiscalização, como o Ibama e outro institutos, foram enfraquecidos. E, além disso, houve uma série de legislações que colocavam lenha na fogueira, como a exploração de territórios indígenas e a nova política de demarcação de terras”, diz Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas.
População indígena
O Brasil tem registrados ao menos 305 povos indígenas, de acordo com o censo do IBGE 2012. A partir do critério de autodeclaração, o Brasil tinha 896,9 mil indígenas em 2010, o que representava 0,4% da população nacional. Em 80,5% dos municípios residia pelo menos um indígena autodeclarado.
A maioria, 58% (517.383), vivia em terras indígenas e 42% se encontravam fora dos territórios. Em todo o país, as cidades já abrigavam 36% da população indígena nacional.
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