Governo federal ‘assentiu com a morte de brasileiros’ na pandemia, diz no texto senador Renan Calheiros (MDB-AL). Votação do relatório está prevista para a próxima terça-feira (26).
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid realiza nesta quarta-feira (20) a partir de 10h a sessão de apresentação e leitura do relatório final da comissão. A leitura do relatório antecede a votação do texto, prevista para o próximo dia 26, quando se encerrarão os trabalhos da comissão.
Elaborado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), o documento de mais de 1,1 mil páginas pede o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por considerar que ele cometeu pelo menos nove crimes durante a pandemia de Covid-19, segundo informou a assessoria da CPI na madrugada desta quarta.
O relatório também responsabiliza duas empresas (Precisa Medicamentos e VTCLog) e, além de Bolsonaro, outras 65 pessoas, entre as quais três filhos do presidente, ministros, ex-ministros, deputados federais, médicos e empresários.
LEIA TAMBÉM
- Vacinas: atraso para aquisição ganha destaque
- Amazonas: passo a passo do colapso
- Gabinete paralelo: grupo apoiou tratamento ineficaz
- Fake news: CPI identifica organização com ‘sete núcleos’
- Minuta: a íntegra da mais recente versão do relatório
A expectativa é que, após a leitura do texto nesta quarta, senadores peçam vista coletiva (tempo para análise da proposta antes da votação).
Para ser validado e seguir para outras instâncias, o relatório precisa ser aprovado pela maioria dos integrantes da comissão de inquérito.
Conforme o relator, ao longo de quase seis meses de trabalho, a CPI pôde comprovar:
- o “evidente descaso” do governo com a vida das pessoas, comprovado no “deliberado atraso” na aquisição de vacinas;
- a “forte atuação” da cúpula do governo, em especial do presidente da República, na disseminação de notícias falsas sobre a pandemia;
- a existência de um gabinete paralelo que aconselhava o presidente com informações à margem das diretrizes científicas;
- a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural (a chamada imunidade de rebanho);
- a priorização de um “tratamento precoce” sem amparo científico de eficácia;
- o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas – como as máscaras e o distanciamento social;
- a prática, por parte do governo federal, de atos “deliberadamente voltados contra os direitos dos indígenas”.
“Com esse comportamento, o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros”, afirmou no texto o senador Renan Calheiros.
Bolsonaro
No caso do presidente Jair Bolsonaro, o relator o responsabilizou por nove crimes — eram 11, mas na noite desta terça a cúpula da CPI decidiu excluir as acusações de homicídio e genocídio indígena.
A decisão de excluir esses dois tipos penais foi tomada na noite desta terça durante reunião de integrantes da comissão na residência do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Veja nos vídeos abaixo entrevistas do presidente da comissão, Omar Aziz, e do relator, Renan Calheiros e vice-presidente, Randolfe Rodrigues, após a reunião.
Aziz, sobre relatório final da CPI: ‘A questão pacificada foi a acusação de genocídio indígena, que acabou retirada’
CPI da Covid confirma denúncia de filhos de Jair Bolsonaro por incitação ao crime por uso de fake news
Os crimes atribuídos a Bolsonaro são:
- epidemia com resultado de morte;
- infração a medidas sanitárias preventivas;
- emprego irregular de verba pública;
- incitação ao crime;
- falsificação de documentos particulares;
- charlatanismo;
- prevaricação;
- crime contra a humanidade;
- crime de responsabilidade.
“O presidente da República repetidamente incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19. Essa estratégia, na verdade atrelada à ideia de que o contágio natural induziria a imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades econômicas”, escreveu Renan Calheiros no documento.
Segundo o relator, as ações de Bolsonaro durante a pandemia podem ser enquadradas em crime de responsabilidade — infração imposta ao presidente da República em caso de atos que atentam a Constituição.
Isso porque, escreveu o relator, a atuação de Bolsonaro “mostrou-se descomprometida com o efetivo combate da pandemia da Covid-19 e, consequentemente, com a preservação da vida e integridade física de milhares de brasileiros”.
Entre os atos de Bolsonaro que, para Renan, “incontestavelmente atentaram contra a saúde pública e a probidade administrativa”, estão a “minimização constante da gravidade da Covid-19” e a criação de mecanismos ineficazes de controle e tratamento do coronavírus.
Projetos sugeridos pela CPI
Além dos pedidos de indiciamento, o relatório propõe projetos de lei que poderão ser analisados pelo Congresso Nacional.
Com objetivo de coibir a propagação de fake news, principalmente durante uma pandemia, o relator sugere a inclusão no Código Penal dos crimes de “divulgação de notícia falsa” e “notícia falsa sobre saúde pública”.
A punição nesses casos, segundo a proposta, poderia ser de reclusão de dois a quatro anos e multa. Se a infração for cometida por um agente público, a pena será dobrada, sugere o parecer.
Pelo projeto, os sites que realizam pagamentos aos seus usuários deverão estar sujeitos ao controle dos órgãos de combate à lavagem de dinheiro.
O parecer aponta a necessidade de aumento de pena para alguns crimes, como peculato, corrupção passiva e ativa, quando praticados durante situação de calamidade pública.
O texto propõe ainda incluir na legislação brasileira a tipificação do crime de extermínio, previsto no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.
Essa infração consiste em causar ou assumir o risco de provocar milhares de mortes; as vítimas, nesse caso, não precisam ser de um grupo social ou étnico específico.
O relatório apresenta proposta para criar pensão especial para crianças e adolescentes que ficaram órfãos no contexto da pandemia.
O parecer sugere incluir a Covid entre as doenças graves cujos portadores poderão se aposentar por invalidez, no caso de ocorrência de sequelas graves.
O relator propõe ainda projeto para determinar que o presidente da Câmara analise, em um prazo de 30 dias, denúncia por crime de responsabilidade contra o presidente da República.
Nesse prazo, o presidente da Câmara terá de decidir se a denúncia apresenta ou não os requisitos necessários para continuar tramitando na Casa.
Próximos passos
Se aprovado, o relatório deve ser encaminhado a diferentes órgãos – entre os quais Procuradoria-Geral da República, aos ministérios públicos estaduais e ao Departamento de Polícia Federal.
Renan Calheiros diz ainda que o documento também será enviado ao Tribunal Penal Internacional. Segundo ele, a medida deve-se à “inação das autoridades brasileiras na apuração e punição” dos crimes. Também sugere o envio para ministérios públicos estaduais.
O relator também prevê que o documento seja entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), responsável pela decisão de abrir ou não um processo de impeachment do presidente.
Calheiros reforçou que, além de ser encaminhado a Lira, o documento deve ficar disponível “para que qualquer cidadão denuncie o presidente da República por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados”.
Faça um comentário