Após meses de incerteza e medo, Masood, Lina e Sobhan estão na capital paulista e planejam como irão reestruturar a vida e reiniciar do zero.
Masood, Sobhan e Lina Habibi em São Paulo; ao fundo, faixa de boas-vindas — Foto: Paula Lago/g1
Mesmo usando máscara, é possível perceber o sorriso do afegão Masood Haibibi, de 29 anos, enquanto conversa à vontade na sala de um apartamento no Centro de São Paulo. O comerciante que, em maio, tinha ido até o país natal planejando passar dois meses e viu a estada ser ampliada para cinco meses contra a sua vontade, finalmente, conseguiu o que queria desde o começo do ano: trazer a família para o Brasil.
O g1 acompanha a história da família desde agosto, quando o grupo extremista islâmico Talibã tomou o poder no Afeganistão, obrigando os cidadãos a ficaram trancados em suas casas.
Ele, a mulher, Lina, de 23 anos, e o filho, Sobhan, de 4 anos, desembarcaram no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, na última sexta-feira (3) após um longo voo de 21 horas. “Estamos cansados ainda, mas muito bem. Meu filho está diferente, mais tranquilo. Lá ele só ficava em casa, aqui pode sair, passeamos pela Avenida Paulista no domingo… Ele e minha esposa adoraram, acharam tudo muito bonito. Sobhan adora brincar, está mais solto. Está muito feliz.”
Para este retorno, que teve direito a faixa de boas-vindas, flores e balões, acontecer, eles contaram com o apoio de muitas pessoas: mais de 50 mil assinaram uma petição da plataforma Change Brasil ao Itamaraty que solicitava a concessão de vistos humanitários a Lina e Sobhan. Masood já tem visto brasileiro, e os da família foram concedidos após cerca de um mês do pedido oficial.
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De acordo com o Itamaraty, desde 3 de setembro, quando entrou em vigor a portaria que concede esse tipo de autorização de entrada ao país a “afegãos, apátridas e pessoas afetadas pela situação de grave ou iminente instabilidade institucional ou de grave violação de direitos humanos ou do Direito Internacional Humanitário no Afeganistão”, foram concedidos 380 vistos humanitários.
Marcelo Ferraz, especialista em campanhas da Change Brasil, destaca o engajamento das pessoas à causa. “A gente conseguiu fazer com que a história deles se tornasse pública, e a luta deles chegasse ao conhecimento das pessoas.”
Com os passaportes prontos, Masood e família precisavam do dinheiro para as passagens, já que suas contas bancárias foram confiscadas pelo governo talibã. Uma campanha de arrecadação foi criada e reuniu, até o momento, R$ 24 mil, mas o afegão acabou aceitando que uma amiga doasse as passagens para ele e a família virem logo ao Brasil. O valor obtido com a vaquinha será destinado à compra dos bilhetes aéreos para os familiares que estão no Irã à espera de permissão para virem também. “Quando eles conseguirem o visto, vão precisar usar esse dinheiro”, explica.
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Covid e talibãs
Masood sentiu na pele dois acontecimentos que terão destaque nas retrospectivas de 2021: primeiro, os pedidos de visto para a esposa e o filho virem morar em São Paulo foram negados pela Embaixada devido ao pico de Covid-19 no Brasil e, depois, em agosto, os talibãs derrubaram o governo e impuseram um novo com uso da força e da violência. O comerciante contou que tiroteios são frequentes.
Masood Habibi, a esposa e o filho durante passeio em Cabul, capital do Afeganistão, antes da chegada dos talibãs — Foto: Arquivo Pessoal
Ele conta que foram cinco meses de incerteza, angústia e medo até que, em outubro, surgiu a chance de comprar passagens para o Paquistão e, de lá, batalhar pelos vistos e pelas passagens para o Brasil.
“Queria sair o mais rápido possível do Paquistão. Quando você está em um país esperando a hora de sair, quando você não vai ficar lá, é muito difícil tudo. Você tem que pagar hotel, despesas, tudo, todo dia. É muito difícil, se você não tem dinheiro”, conta Masood.
Mas ele acredita que as tensões ficarão em 2021 e que 2022 será um bom ano para a sua família. “Quero reiniciar a vida aqui, é muito difícil quando você vai para um país em que você não tem nada. Tem de começar do zero, conseguir trabalho, minha esposa precisa aprender português o mais rápido possível e precisamos arranjar uma escola para o meu filho. Mas estou feliz e vamos correr para conseguir tudo isso.”
O comerciante conta que vendia tapetes em São Paulo e também trabalhava como técnico em informática em uma empresa, mas agora não sabe se vai conseguir trabalhar com as mesmas coisas. “Vou ter de conseguir um trabalho rápido, para conseguir manter minha família. E podemos contar com amigos”, afirma.
E podem mesmo. Além da ajuda da amiga com as passagens e do apoio de quem colaborou com a vaquinha, Masood tem um “pai” brasileiro: o farmacêutico Ricardo José de Souza conta que adotou informalmente como filho o afegão logo que se conheceram.
É no apartamento dele que a família mora agora e por onde Sobhan corre pelos cômodos com um macaco de pelúcia ou se diverte com um celular. “Quando você tem conexão com um país, fica mais fácil”, afirma Massod. “Agora vamos nos reorganizar. É muito bom estar em casa de novo.”
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