Relatório da Human Rights Watch alerta para riscos de autocracias pelo mundo, mas aponta reação em defesa da democracia

Organização de direitos humanos lançou relatório global em que aponta também problemas no Brasil, como a tentativa de Bolsonaro de desacreditar o sistema eleitoral, além de ameaças à liberdade de expressão e à independência do sistema judiciário.

A Human Rights Watch (HRW), organização de defesa dos direitos humanos com sede em Nova York, lançou nesta quinta-feira (13) o seu relatório mundial de 2022. No documento, a entidade reitera a importância da manutenção da democracia pelo mundo e a ameaça representada pelas autocracias (forma de governo em que o poder fica concentrado em apenas uma pessoa).

Logo no início do levantamento, o diretor da HRW, Kenneth Roth, contraria a visão comum de que a autocracia está em ascensão e a democracia em declínio.

“De Cuba a Hong Kong, as pessoas saíram às ruas exigindo democracia quando governantes autoritários, como de costume, priorizam seus próprios interesses em detrimento dos de seus cidadãos”, diz Roth.

 

“Muitos autocratas afirmam servir melhor ao seu povo do que os líderes eleitos democraticamente, mas geralmente atuam, principalmente, por seus próprios interesses e passam a manipular os sistemas eleitorais para que os cidadãos não possam expurgá-los pelo voto. Ademais os autocratas normalmente tentam desviar a atenção com apelos racistas, sexistas, xenófobos ou homofóbicos”, diz a HRW.

Há, entretanto, um movimento importante e crescente que deve preocupar os autocratas, na visão da HRW. Uma ampla gama de partidos políticos de oposição começou a passar por cima de suas diferenças políticas para construir alianças que priorizam o interesse comum em conseguir que políticos corruptos ou líderes repressivos sejam retirados do poder.
 

Brasil

A organização publicou um capítulo exclusivamente dedicado à situação brasileira. Segundo indicado pela HRW, o presidente Jair Bolsonaro “ameaçou os pilares da democracia brasileira diversas vezes no ano de 2021”. A ONG Internacional destacou atitudes como a tentativa de descredibilizar o sistema eleitoral brasileiro , a ameaça à liberdade de expressão e à independência do sistema judiciário.

O documento também chama atenção para outros fatores. Um assunto amplamente apresentado foi a letalidade policial que alcançou números recordes nos últimos anos, em especial contra pessoas afrodescendentes (cerca de 80% dos casos).

 

O material traz o discurso de Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, como um registro importante desses números. Em junho de 2021, ela discursou sobre o aumento da violência policial no Brasil e pediu para que os países tomassem medidas concretas para erradicar o racismo sistêmico contra afrodescendentes e que se responsabilizassem por políticas contra abusos.

A alta comissariada da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet — Foto: Reuters/Denis Balibouse/File Photo

A alta comissariada da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet — Foto: Reuters/Denis Balibouse/File Photo

Ainda sobre o Brasil o levantamento da Human Rights Watch apontou para as ameaças e ataques aos povos indígenas, além de ressaltar o desmatamento, que continuou a avançar na Amazônia.

“Desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019, o governo Bolsonaro enfraqueceu a fiscalização ambiental, encorajando, na prática, as redes criminosas que impulsionam o desmatamento e que têm usado ameaças e violência contra os defensores da floresta. A média do número de multas pagas por desmatamento na Amazônia em 2019 e 2020 foi 93 por cento menor do que a média nos cinco anos anteriores, mostrou um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais”, diz o documento.
 

O documento ainda chama atenção para alguns perigos iminentes com a superlotação dos sistemas prisionais. A organização encara a aglomeração forçada dos centros de detenção como um risco sanitário relacionado à covid-19.

Brasil tem mais de 750 mil presos — Foto: Danilo Pousada/GloboNews

Brasil tem mais de 750 mil presos — Foto: Danilo Pousada/GloboNews

Segundo o estudo, até dezembro de 2020, cerca de 670 mil adultos estavam presos em todo o país. Esse número indica que a capacidade está sendo excedida em mais de 47%.

Em fevereiro de 2021, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) informou que até 13 pessoas estavam detidas em um espaço que anteriormente havia sido projetado para apenas uma pessoa em uma prisão no estado do Acre.

 

Em pesquisas, a organização encontrou mais de 92.800 presidiários que contraíram Covid-19 (até outubro de 2021), dos quais 582 morreram. Por outro lado, o MNPCT diz que o número de mortes provavelmente é subestimado.

Detentos no Presídio Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco, Acre. — Foto: Eduardo Duarte/MP-AC

Detentos no Presídio Francisco de Oliveira Conde, em Rio Branco, Acre. — Foto: Eduardo Duarte/MP-AC

Outro assunto que ganhou a atenção da HRW foi a quantidade de imigrantes que chegaram ao Brasil nos últimos anos. Até outubro de 2021, mais de 250 mil venezuelanos estavam morando no Brasil.

Travessia da fronteira entre Brasil e Venezuela, em foto de 2019 — Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Travessia da fronteira entre Brasil e Venezuela, em foto de 2019 — Foto: Ricardo Moraes / Reuters

 

Com o avanço da pandemia, a atitude do governo brasileiro mudou consideravelmente, aponta a HRW. Em 2020 mais de 2000 pessoas foram deportadas ao tentar atravessar algumas fronteiras. Esse número é muito superior ao que foi registrado em 2019 (apenas 36 pessoas) e em 2021 (1198 até julho).

Levantamento sobre o resto do mundo

O relatório completo analisa todos os países onde a Human Rights Watch atua. A preocupação com a autocracia (método de governo onde o poder fica concentrado em apenas uma pessoa) foi bastante destacada em boa parte do material.

Como uma solução para esse problema, Kenneth Roth, diretor executivo global da HRW, pediu para que líderes de oposição deixassem, por um momento, suas diferenças de lado para agirem em conjunto e defender o exercício da democracia.

O documento ressalta a maneira como a República Tcheca, Israel, Hungria e Turquia reagiram diante dos seus líderes mais autocratas. Em todos esses países foram geradas coalizões entre partidos visando derrubar governos autoritários.

Roth também diz que muitos governos democráticos estão muito preocupados com questões de curto prazo e não estão tratando assuntos muito mais importantes como a mudança climática, a pandemia da Covid-19, a pobreza e a desigualdade, a injustiça racial ou as ameaças da tecnologia moderna.

 
“Contrastando a política de acolhimento de autocratas amigáveis por Trump quando era presidente dos Estados Unidos, Biden prometeu uma política externa que seria guiada pelos direitos humanos. Mas os EUA continuaram a fornecer armas ao Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Israel, apesar da repressão persistente nesses países. Diante de uma tendência autocrática na América Central, Biden priorizou principalmente os esforços para conter a migração, em vez da autocracia”, diz um parágrafo do documento.

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